Literatura Brasileira Contemporânea | “Diário de Louise em Paranavaí”, ou a arte de voar
Enquanto escrevo esta resenha para o livro “Diário de Louise em Paranavaí”, de Louise Barboza Lopes, encontro-me em uma longa empreitada: ler os dez volumes, a depender da edição, da obra “História da Literatura Ocidental”, de Otto Maria Carpeaux. Essa tarefa não tem sido simples e, de quando em quando, apesar de toda beleza do trabalho de Carpeaux, é preciso descansar. Foi em um desses momentos de descanso que li a obra de Louise, filha do meu companheiro de trabalho, o professor de Filosofia Marcelo Lopes Rosa. E que bela surpresa!
A filha do meu amigo, para espanto de qualquer um que ler essa resenha e, sobretudo, para quem ler a obra da “escritora mirim”, tem apenas 10 anos. Para efeito de comparação, eu comecei a escrever os meus primeiros poemas aos 12 anos e fiz as primeiras leituras “pesadas” aos treze, no caso, “O Ingênuo”, de Voltaire. Apesar dessas precocidades, é importante salientar que não se trata de querer “colocar a carroça na frente dos bois” ou de uma competição, mas de situar o leitor sobre a idade da autora. Detalhe, eu disse “escritora mirim” porque assim recebi a dedicatória do livro: “Para Felipe Figueira, de uma escritora mirim para um escritor.”
Como conheço os pais de Louise, Michele Barboza, professora de Matemática, e o Marcelo, e sei que o ambiente familiar é propício ao desenvolvimento de habilidades artísticas, o livro de Louise, que é surpreendente, não deixa de ser, também, fruto de um processo natural, afinal, ela vive em meio a pesquisadores e a grandes leitores. Mas, para deixar claro o meu pensamento, que também é o de qualquer especialista em psicologia da educação, não basta ser filho de pais intelectuais, é preciso que exista interação com o saber, do contrário, de nada adianta.
Foi diante desse contexto familiar, somado a um gosto pessoal por livros, que Louise se colocou o desafio de escrever um livro, tarefa que sei que é complexa, e o resultado foi um diário ao estilo da literatura fantástica de um Nicolai Gogol, pois tudo no seu texto toma vida, não está solto. Esse cuidado com o estilo, certamente, é resultado de diversas ajudas, como a de sua professora de redação, Stéfanny do Nascimento, mas, eu, que também sou professor, sei que se não existir um texto e um forte interesse por parte do aluno/autor, nada é possível ser feito. Vejamos as palavras da escritora, na Introdução: “Sou uma pessoa que ama ler. E você, gosta também? Amo desenhar, usar a imaginação e viajar para outros mundos mesmo sem sair de casa! Você gosta de fazer viagens? Então venha conosco se aventurar nesta viagem para Paranavaí! Prometo que será algo inesquecível, que te fará lembrar deste livro e das nossas aventuras. Espero que goste! E aí, pronto para se aventurar com a gente?!” (LOPES, 2023, p. 13).
Louise segurando o seu livro. Fotografia de Juliana Silva
E que bela surpresa foi ler o texto da pequena Louise. Minha esposa, acostumada a me ver com todo tipo de livros, e, no momento, com o do Carpeaux, achou engraçada a minha atitude de ler um livro de uma criança. Mas, é como dizia Manoel de Barros, “a criança erra na gramática, mas acerta na poesia”. No caso de Louise, não há o erro na gramática. Com isso, a menina deixou de ser criança? Não, antes, as brincadeiras e o mundo fantástico aparecem de uma ponta à outra no livro.
“Diário de Louise em Paranavaí”, segundo consta na capa da obra, é indicado para crianças e adultos de todas as idades, e eu posso atestar essa indicação. É divertido e traz aprendizados. Divertido, pois voei em um tapete mágico, com Louise, sua gatinha e suas amigas por Paranavaí, e, nesse voo, aprendi muito dessa cidade do noroeste paranaense, que é a cidade da escritora. Vários ícones do município aparecem, com suas respectivas histórias, como o Estádio Municipal, a Rua da Árvore, a Biblioteca Municipal e até pude passear pelo tradicional Pastel da Feira, que fica próximo à igreja São Sebastião. No meu caso, professor de História, é um prato cheio ler as páginas de Louise e imaginar essa ciência sob a perspectiva de uma criança.
A escritora mirim observando o Estádio Municipal de Paranavaí.
Há trechos e mais trechos interessantes na obra, sendo que um em especial é o de quando Louise e as amigas vão à Biblioteca Municipal. Para quem gosta de ler, como é o caso da autora, uma das coisas mais bonitas e mágicas que existe é olhar para estantes repletas de livros. Eu fico a imaginar em cada livro um planeta, e em cada autor um criador. Vejamos novamente as palavras da autora: “Na Biblioteca li vários livros, entre eles “O Mágico de Oz”, “A Bela e a Fera”, “O pequeno príncipe” e a história verídica de Malala, a menina que queria ir para a escola! Eu não queria sair dali! É muito boa essa sensação que os livros nos dão de teletransporte para outros lugares, conhecer novos mundos! Vocês acreditam que quando leio consigo até mesmo sentir cheiros, sabores e sensações na pele?” (LOPES, 2023, p. 36-37).
No entanto, como tudo na vida tem um começo, um meio e um fim, a história de Louise também se encerra. É o momento em que ela se despede das amigas e em que as aventuras com o tapete mágico cessarão. Nesse momento, confesso que fiquei chateado, pois o livro, prazeroso de ser lido, me fez viajar. Há algo melhor do que viajar? Para mim, poucas coisas a isso podem se comparar. Então Louise escreve: “Enquanto eu escrevia a carta começou a escurecer e lembrei de um trecho do Poema “Dias Felizes”, da autora Cecília Meireles, que diz ‘Todas as Palavras são inúteis desde que se olha para o céu’.” (LOPES, 2023, p. 43).
Olhar para o céu... uma atitude simples e que diz muito, afinal, para quem leu “O Pequeno Príncipe”, como é o caso da escritora mirim, sabe a beleza que há no céu, o tanto de simbolismo que nele há. Segundo as belas palavras de Antoine de Saint-Exupéry, na citada obra: “E quando estiveres consolados (a gente sempre se consola), tu ficarás contente por teres me conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E às vezes abrirás tua janela apenas pelo simples prazer... E teus amigos ficarão espantados de ver-te rir olhando para o céu. Tu explicarás então: “Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!” E eles te julgarão louco. Será uma peça que te prego...” (SAINT-EXUPÉRY, 2015, p. 87).
Diante das palavras finais de Louise, que conversam com as do escritor francês, fica ainda mais simbólica a escolha da autora por contar a sua história por meio de um tapete mágico. O ser humano, ainda que pise na terra, ainda que esteja ligado ao chão, possui a capacidade de voar e não deve jamais perder isso de vista.
Antoine de Saint-Exupéry. O Pequeno Príncipe. Trad. Dom Marcos Barbosa. 51ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 2015.
Louise Barboza Lopes. Diário de Louise em Paranavaí. Paranavaí: Edição do Autor, 2023.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.